Mar me quer


       







                                                  

                                                                                                                                                              


                                                                     

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

O menino de sua Mãe

Contou-me certa vez uma prima, que estando o seu bisavô no Martinho da Arcada com Fernando Pessoa e mais uns quantos, se gerou um discussão sobre se seria legítimo escrever poesia sem que o tema tratasse as coisas "nobres" da Alma - Amor, paixão, ciúme e morte, - deixando de fora as coisa simples do dia-a-dia.
De um lado o seu bisavô defendia que seria impuro escrever sobre coisas banais. Do outro Fernando Pessoa, o ortónimo, a marcar a posição contrária. A discussão chegou a tal ponto que o primeiro desafiou o segundo a escrever um poema, ali, na hora, sobre uma dessas tantas banalidades. Pessoa concordou no ponto e acrescentou um conto.
Olhou para um desses óleos que enfeitam as paredes dos cafés - hoje em dia já não será bem assim - e garantiu que da sua imagem faria um poema... e fê-lo. Um dos meus preferidos. Obrigado ao Ortónimo. E obrigado ao parente da minha parente por ser tão... oblíquo.


O menino de sua Mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
Duas de lado a lado
Jaz morto e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
Agora que idade tem?
Filho único a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira alada
Ponta a roçar o solo
A brancura embainhada
De um lenço ...
Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo e bem!"
Malhas que o Império tece!
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe.
Nada melhor do que um poema de Fernando Pessoa dito por um dos melhores declamadores da lusofonia, João Villaret.

    Por Afonso Vaz Pinto :: 02:09 :: 5 Comentários

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